quarta-feira, 13 de outubro de 2010

As medidas que o Governo Sócrates tomou, e que têm sido tão criticadas, foram-lhe impostas por Bruxelas. Como foram à Grécia, à Espanha, à Irlanda, à Islândia e por aí fora. Poderiam ser recusadas?

«Em Portugal, finalmente, toda a gente fala da crise e começa a sentir-se atemorizada, quanto ao que daí poderá resultar. Embora ninguém se disponha ainda a mudar o seu estilo de vida mesmo que os proventos sejam mais escassos. Os automóveis continuam a circular, apenas com uma ou duas pessoas dentro; os restaurantes, sobretudo os mais caros, estão cheios; e as pessoas aproveitaram alegremente a ponte para fazerem curtas férias no Algarve ou no Estrangeiro. O derrotismo de muitos tem sido tão insistente que as pessoas encolhem os ombros e, como diria um católico, entregam-se à divina providência...
Muitos portugueses ainda não interiorizaram que a crise não é portuguesa: é europeia e global. E é muito grave porque a União Europeia, sem uma estratégia concertada entre os Estados membros, está a aplicar as medidas tradicionais economicistas, para reduzir os défices e o endividamento, sem querer mudar o modelo de desenvolvimento. O que, provavelmente, saneará as Finanças mas poderá criar recessão. É justamente o perigo que Portugal pode correr, com as medidas que lhe foram impostas pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia e pelas agências de rating, que ninguém sabe que interesses inconfessáveis servem...
As medidas que o Governo Sócrates tomou, e que têm sido tão criticadas, foram-lhe impostas por Bruxelas. Como foram à Grécia, à Espanha, à Irlanda, à Islândia e por aí fora. Poderiam ser recusadas? Ninguém com bom senso o dirá. Porque Portugal não poderia, neste momento, sair da Zona Euro nem da União Europeia, sem gravíssimos prejuízos. Pode - e acho que o fez - discuti-las, contestá-las, no Conselho Europeu e propor a prazo, em consonância com outros Estados membros, um debate a sério, no Parlamento Europeu, através dos nossos deputados, sobre o caminho que a União Europeia está a seguir, sob a orientação da Alemanha, e que poderá levá-la à desagregação e à decadência.
O mundo está muito complexo e em aceleradíssima mudança - dos Estados Unidos à Ásia, de África à Ibero-América e a União Europeia continua indiferente, centrada nos seus problemas internos e com lideranças medíocres que, infelizmente, a dirigem, incapazes de audácia e de uma visão de futuro...» [DN]

Por Mário Soares.

1 comentário:

  1. Mario Soares cada vez mais um referencia. Consegue-me surprender semana apos semana, com o seu senso de Estado. Com a sua visão realista, mas nunca derrotista da situação que vivemos.

    ResponderEliminar